Uma
estreia de uma canção faz a despedida de Maria Bethânia, ou seja, a cantora faz
sua saída discreta de cena na esfera humana.
Ela, uma interprete chamada
Maria Bethânia, não sei se pela primeira vez, fez a composição de uma canção
que não há adjetivos suficientes no vernáculo da língua portuguesa para
descrever a situação que eu observei.
Ela começou a fazer a
composição da canção em um palco dentro de um teatro em uma das suas turnês.
Ela cantava para milhares de pessoas. Bethânia anunciava que aquela seria a sua
última canção. Todos pensavam que aquela seria a última canção do espetáculo, e
foi. Foi a última canção do show da vida da artista.
Não conhecíamos Maria Bethânia
como uma compositora. Tínhamos acesso a Bethânia pelo seu alto nível de
interpretação oferecido nas composições alheias. O alheio era tão fascinante e eficaz que nunca
ninguém acusou a artista como uma simples reprodutora da criação alheia. Mas nessa passagem do espetáculo que relato,
intitulada de a última canção de vida, Maria Bethânia fez a sua unigênita composição.
Ela não conseguia acreditar e nem perceber o que acontecia naquele intervalo de
tempo.
Ela começou cantarolar de uma
maneira incrível. Cada palavra trazia a produção de milhares de imagens e
reflexões sobre a condição humana a todos os presentes. Todos visualizaram cada
imagem de palavras no ritmo e memória de cada um. Tudo era a voz de Bethânia
significando no mundo. Tudo trazia maravilha e maravilhamento no mesmo
instante.
Com o decorrer da canção, a
aparência de Maria Bethânia se transformava. Ela vivia uma espécie de
transformação ou uma metamorfose em si. O sangue da artista coagulava
realizando um célere enegrecer. E quando ela falou a última palavra da canção,
caiu. Caiu em meus braços, fechou os olhos e fez sua despedida do mundo no
mundo.
Todos pensavam que aquela
atuação de Maria Bethânia fazia parte do espetáculo. E fazia. Todos aplaudiam,
gritavam e encantavam-se com a cena presenciada. Apenas eu tinha consciência da
eterna despedida de Maria Bethânia. Nada tinha sido enunciado. Eu apenas
compreendia e sentia o que acontecia. Não fazia divulgação alguma do que
presenciava. Vivia o momento da realização com uma consciência sem
direcionamentos práticos e não sei o que aconteceu depois, pois acordei e havia
um dia esperando uma feitura. Desse sonho eu aprendi uma coisa: Bethânia morreu
cantando no meu sonho e ainda está viva para receber este relato.
Rave de Ranoli
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